domingo, 29 de agosto de 2010

O Domingo e o discruso: A auto-imagem e a roupa

Se a roupa é uma máscara que esconde e dissimula nosso corpo e nossa auto imagem, é evidente que uma percepção diferente do vestuário nos obrigaria a ter uma percepção diferente de nós mesmos. E é exatamente isso que o uso da Chem ba´e Pire está fazendo comigo nesse momento. Ao contrário do que eu imaginava, a primeira ´´crise´´ desencadeada pela experiência não veio do fato de eu estar enjoado da roupa ou por eu querer usar outras coisas. A primeira ´´crise´´ que tive foi um pouco pior do que eu havia previsto: uma crise de identidade.



Acredito que o fato de não ter diversas máscaras para me esconder de mim mesmo acabou por me obrigar a encarar meu eu de frente. E isso está trazendo à tona uma porção de ´´traumas´´ não resolvidos que, agora, revendicam seu lugar ao trono. A começar com minha insatisfação com minha imagem (alguém reparou que 70% das fotos do blog têm meu rosto cortado?) , minha dificuldade de lidar com as pessoas e minha tendência ao isolamento.



Ainda não sei dizer até que ponto o uso da peça influênciou o desencadeamento dessa crise, mas o fato de ela ter acontecido no meio da experiência já pode ser considerado um certo indicativo. O fato é que ando com uma certa fobia social, evitando ser visto, ouvido e lembrado por pessoas e tento evitar qualquer contato social não obrigatório (como trabalho e faculdade). Tá bom, isso não é nenhuma novidade, quem me conhece sabe que eu quase nunca saio de casa e quase nunca tenho paciência para lidar com gente. Mas não querer sair de casa é uma coisa, querer e não conseguir é bastante diferente.



Durante as primeiras semanas de uso o processo foi totalmente inverso. Estava completamente bem resolvido com minha imagem e acreditava realmente ter atingido meu ideal de vestuário. Essa peça foi toda planejada a partir dos meus gostos pessoais, a fim de concentrar nela minhas principais referências estéticas e criar uma porção de looks que traduzissem meu ideal estético: as referências étnicas, excesso de volume, versatilidade e essa mistura que permeia do elegante ao extremo urbano. Acredito, de verdade, que consegui um bom resultado, consigo ver todas essas referências na roupa. E, até pouco tempo atrás, acreditava de verdade que essa era a imagem que combinava comigo. Acreditava (e talvez ainda acredite) que era essa a maior tradução visual do que sou e/ou gostaria de ser.



Mas, nesse momento, não tenho mais certeza de quem sou ou do que gostaria de ser. E isso influencia minha relação com a roupa, pois ela traduzia um ideal de identidade que pode ter mudado (mesmo que temporariamente) e, nesse caso, como fico como indivíduo? Sei que serei obrigado a encontrar alternativas dentro da roupa para traduzir esse momento de identidade flutuante... o primeiro desafio da experiência. O primeiro desafio do indivíduo (eu) dentro da experiência.



Acredito que todos já tenham passado por um momento parecido com esse, quando olhamos para nossas roupas e pensamos que nenhuma delas combina conosco, que nenhuma delas é capaz de nos satisfazer (porque algo está insatisfeito dentro de nós e essa insatisfação interna ultrapassa a barreira da pele para permear nossa imagem e nossa roupa). E como lidar com esse momento usando a Chem ba´e Pire? Eu ainda não sei. Vou arriscar um palpite: creio que repetirei o mesmo looks durante vários dias, buscando uma maior neutralidade para a peça e para mim mesmo. Acredito que é o que faria se tivesse outras opções do que vestir: buscaria o mais báscio, ´´anularia´´ minha imagem até a crise passar e depois voltaria a assumir alguma expressão no vestuário. Mas isso é só um palpite, essa experiência é orgânica e acontece por si mesma.



O fato é que a peça está se transformando, está rastejando do seu primeiro nível de encantamento e caindo, de fato, no cotidiano e, talvez, começando a se tornar um fardo. Está me obrigando a encarar meu rosto limpo e, aos poucos me obrigará a entendê-lo também. Fico pensando em como seria a experiência de encarar o não vestuário, e já penso em me infiltrar numa sociedade naturalista por uns tempos para experimentar como seria a experiência de não ter, em absoluto, nenhum vestuário que me proteja de mim mesmo... mas esses são planos futuros, por hora vou me concentrar na experiência de não ter escolha do que vestir. Por hora vou tentar resolver meu pânico por existir, e tentar entender até onde o vestuário influência isso, pois se nos vestimos para existir em sociedade, podemos nos vestir também para ter medo de existir...

2 comentários:

  1. "...já penso em me infiltrar numa sociedade naturalista por uns tempos para experimentar como seria a experiência..."
    Fico feliz que cogite essa ideia! Assim você terá o estudo de dois pontos de vista opostos quanto ao mesmo assunto. Se vestir estas peças está lhe fazendo refletir e questionar sobre seu interior e exterior, tento imaginar como lidaria com o a exposição direta de seu corpo. Estou absurdamente curioso quanto a tal experiencia. Tambem gostaria de tentar um dia, mas certamente minha experiencia seria menos rica que a sua, pois não estou usando a mesma roupa durante 6 meses e não sei com exatidão o que se passa pela sua cabeça no presente momento.

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  2. Não estamos todos obrigados a encontrar alternativas dentro de um contexto? A roupa, no caso essa roupa, ou melhor, esse projeto, não é uma metáfora do que fazemos, em realidade, com nossas vidas? Sem maquiagem, sem subterfúgios (que pode ser o consumo) temos que nos olhar e nos havermos com nossas questões mais latentes?
    Vc disse “se nos vestimos para existir em sociedade, podemos nos vestir também para ter medo de existir...” é também uma posição.

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