domingo, 29 de agosto de 2010

O Domingo e o discruso: A auto-imagem e a roupa

Se a roupa é uma máscara que esconde e dissimula nosso corpo e nossa auto imagem, é evidente que uma percepção diferente do vestuário nos obrigaria a ter uma percepção diferente de nós mesmos. E é exatamente isso que o uso da Chem ba´e Pire está fazendo comigo nesse momento. Ao contrário do que eu imaginava, a primeira ´´crise´´ desencadeada pela experiência não veio do fato de eu estar enjoado da roupa ou por eu querer usar outras coisas. A primeira ´´crise´´ que tive foi um pouco pior do que eu havia previsto: uma crise de identidade.



Acredito que o fato de não ter diversas máscaras para me esconder de mim mesmo acabou por me obrigar a encarar meu eu de frente. E isso está trazendo à tona uma porção de ´´traumas´´ não resolvidos que, agora, revendicam seu lugar ao trono. A começar com minha insatisfação com minha imagem (alguém reparou que 70% das fotos do blog têm meu rosto cortado?) , minha dificuldade de lidar com as pessoas e minha tendência ao isolamento.



Ainda não sei dizer até que ponto o uso da peça influênciou o desencadeamento dessa crise, mas o fato de ela ter acontecido no meio da experiência já pode ser considerado um certo indicativo. O fato é que ando com uma certa fobia social, evitando ser visto, ouvido e lembrado por pessoas e tento evitar qualquer contato social não obrigatório (como trabalho e faculdade). Tá bom, isso não é nenhuma novidade, quem me conhece sabe que eu quase nunca saio de casa e quase nunca tenho paciência para lidar com gente. Mas não querer sair de casa é uma coisa, querer e não conseguir é bastante diferente.



Durante as primeiras semanas de uso o processo foi totalmente inverso. Estava completamente bem resolvido com minha imagem e acreditava realmente ter atingido meu ideal de vestuário. Essa peça foi toda planejada a partir dos meus gostos pessoais, a fim de concentrar nela minhas principais referências estéticas e criar uma porção de looks que traduzissem meu ideal estético: as referências étnicas, excesso de volume, versatilidade e essa mistura que permeia do elegante ao extremo urbano. Acredito, de verdade, que consegui um bom resultado, consigo ver todas essas referências na roupa. E, até pouco tempo atrás, acreditava de verdade que essa era a imagem que combinava comigo. Acreditava (e talvez ainda acredite) que era essa a maior tradução visual do que sou e/ou gostaria de ser.



Mas, nesse momento, não tenho mais certeza de quem sou ou do que gostaria de ser. E isso influencia minha relação com a roupa, pois ela traduzia um ideal de identidade que pode ter mudado (mesmo que temporariamente) e, nesse caso, como fico como indivíduo? Sei que serei obrigado a encontrar alternativas dentro da roupa para traduzir esse momento de identidade flutuante... o primeiro desafio da experiência. O primeiro desafio do indivíduo (eu) dentro da experiência.



Acredito que todos já tenham passado por um momento parecido com esse, quando olhamos para nossas roupas e pensamos que nenhuma delas combina conosco, que nenhuma delas é capaz de nos satisfazer (porque algo está insatisfeito dentro de nós e essa insatisfação interna ultrapassa a barreira da pele para permear nossa imagem e nossa roupa). E como lidar com esse momento usando a Chem ba´e Pire? Eu ainda não sei. Vou arriscar um palpite: creio que repetirei o mesmo looks durante vários dias, buscando uma maior neutralidade para a peça e para mim mesmo. Acredito que é o que faria se tivesse outras opções do que vestir: buscaria o mais báscio, ´´anularia´´ minha imagem até a crise passar e depois voltaria a assumir alguma expressão no vestuário. Mas isso é só um palpite, essa experiência é orgânica e acontece por si mesma.



O fato é que a peça está se transformando, está rastejando do seu primeiro nível de encantamento e caindo, de fato, no cotidiano e, talvez, começando a se tornar um fardo. Está me obrigando a encarar meu rosto limpo e, aos poucos me obrigará a entendê-lo também. Fico pensando em como seria a experiência de encarar o não vestuário, e já penso em me infiltrar numa sociedade naturalista por uns tempos para experimentar como seria a experiência de não ter, em absoluto, nenhum vestuário que me proteja de mim mesmo... mas esses são planos futuros, por hora vou me concentrar na experiência de não ter escolha do que vestir. Por hora vou tentar resolver meu pânico por existir, e tentar entender até onde o vestuário influência isso, pois se nos vestimos para existir em sociedade, podemos nos vestir também para ter medo de existir...

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Bem, meu humor continua instável, e hoje, especificamente, estou numa leve melancolia poética, digamos assim. Estou em crise com minha imagem, não com a roupa em si, (até porque essa roupa é uma das únicas coisas que ando gostando em mim ultimamente) mas com toda a composição de imagem que não acompanha o vestuário, como postura, voz, corpo, etc. Não sei se combino comigo mesmo, se hajo como sou. Ando tentando analisar a imagem que passo e o quanto ela combina, ou não, com a imagem que tenho de mim. Não sei se me explico bem, mas o fato de ter que prestar mais atenção em mim fez com que eu refletisse melhor minha imagem, meu corpo e minha postura, e ainda não estou satisfeito com os resultados dessa reflexão.


Quarta - Feira








Quinta - Feira







(Sexta - Feira não saí de casa - tá, é mentira, eu saí sim, mas não tirei foto ;D )

...


Acredito que o fato de não ter muitas roupas para disfarçar e esconder minhas insatisfações pessoais está me obrigando a encará-las de frente e só deus sabe onde isso pode parar. Mas essa discução será mais aprofundada no domingo, por hora o post fica por aqui.

Ps: Só para dividir o contentamento: hoje encontrei um alfaiate disposto a me ensinar suas técnicas de alfaiataria, ele me disse para ir no atelier dele na próxima semana. Supimpa, neh? =D

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Bem, eu sei que fico me desmentindo o tempo todo, digo que vou fazer uma coisa e faço outra, mas enfim, estou atualizando na terça e não na quarta.  Achei que já tinham muitas fotos em dois dias e não queria fazer um post muiiiiito enorme amanhã. Então provavelmente vou atualizar novamente na quinta e no domingo... provavelmente....
Pra começar dois comentários bobos e óbvios: ontem, segunda-feira, usei uma estampa que o Sérgio me deu. Eu sei que devia tomar vergonha na cara e colocar os cochetes nas camisas logo para elas poderem ficar com a gola mais fechada, mas quem disse que eu tenho tempo/paciência? Poisé, não tenho, por isso pode ser que esses cochetes só sejam colocados daqui uns dois ou três meses...#fatao

(Segunda-feira)








(Terça-feira)















Usar essa peça constantemente me tirou a possibilidade do uso de várias máscaras. Por isso estou ''sendo obrigado'' a prestar mais atenção ao meu corpo do que costumava fazer antes (também porque agora sou obrigado a tirar fotos de mim todos os dias, coisa que não estava acostumado a fazer). E isso vêm desencadeando algumas crises alternadas de alta e baixa auto-estima. Por sempre usar a roupa como escudo para me esconder do espelho, eu nunca tinha parado para pensar muito no impacto visual causado pelo corpo, e hoje percebo que tinha uma imagem completamente ilusória de mim mesmo... me enxergava de uma maneira completamente diferente da imagem que realmente apresento... o que é muito engraçado porque com tantos anos de dança e teatro e estudos do corpo eu deveria, teoricamente, possuir uma auto imagem mais bem resolvida.
Mas o fato é que eu não tinha(ou tenho). Apesar de um bom domínio do meu movimento eu nunca tive um bom domínio da minha imagem e agora estou tendo que contruir isso. Então preparem-se, meu humor está começando a ficar instável e isso pode não ser muito divertido para quem convive diáriamente comigo... estejam avisados ;*

domingo, 22 de agosto de 2010

O Domingo e o discurso: O corpo a roupa e a liberdade.

O Corpo é a forma material de nosso ser. É a imagem que torna concreta a nossa existência, a massa de osso e carne que nos torna seres sociais. Mas o corpo per se não carrega e demonstra nossos significados pessoais, não acentua nossas características psicológicas e não nos torna objetos individuais.

Mesmo que nossas feições, posturas, traços da idade e etc., marquem nossa individualidade, isso não parece o suficiente para que o ser se reconheça em uma sociedade. Por isso o ser social sempre buscou formas de ‘’customizar’’ sua aparência. Seja por meio de modificações corporais diversas (pinturas , piercings, tatuagens, mutilações, etc.), seja pelo vestuário, o homem sempre buscou uma maneira de se diferenciar (tanto para se destacarem enquanto indivíduos quanto para se destacarem enquanto grupo).

Com isso, o corpo passa a adquirir, além de seu caráter biológico e natural, um caráter imaginário/ simbólico, que carrega em si outros significados que posicionam o indivíduo na sociedade em que ele habita.

Na nossa sociedade ocidental contemporânea, o vestuário e a moda se tornaram as principais ferramentas de modificação pessoal. Por ser a roupa uma segunda pele de fácil troca e poderosa força de expressão, acostumamo-nos a utilizá-la como principal meio de auto-comunicação.

Quando nos vestimos não buscamos unicamente cobrir nosso corpo para protegê-lo do clima ou da nossa idéia de moral, buscamos, acima de tudo, encenar e encarar nosso ser social. Usamos a roupa para cobrir ´´nossas vergonhas``, e não falo do nosso sexo, mas sim de todas as nossas insatisfações pessoais. Por isso, a roupa diz muito sobre quem somos, o que pensamos e, principalmente, que posição ocupamos (ou gostaríamos de ocupar) na sociedade.

Por isso, mesmo que não percebamos o fato, construímos uma relação muito profunda com o vestuário, podendo ser qualquer forma de ‘’subversão’’ do ato de se vestir uma poderosa arma escandalizadora.

Isso talvez explique a ‘’comoção’’ causada pelo projeto Chem Ba’e Pire. Porque seu uso é, de certa forma, uma espécie de transgressão do vestuário. Uma pequena oposição ao sistema de moda vigente que exige sempre a apresentação de novidades. Mesmo que se trate de uma peça mutante, que fornece uma variedade considerável de looks, o ato de impor um ‘’uniforme’’ ainda soa com certa agressividade. Como se o ato de coibir do indivíduo sua liberdade de se vestir coibisse também seu direito de ser.

Vestir-se é encenar-se, projetar-se. Propor ao indivíduo uma única maneira de fazê-lo pode provocar um sentido de desconstrução da ordem natural das coisas (mesmo que essa única forma de se encenar possua diversos pontos de vista).

Mas vale lembrar que o uso do uniforme em si não é o causador de tal comoção. Mas sim seu caráter impositivo, sua obrigatoriedade. Ou seja, a coibição do livre direito de se vestir e escolher quais máscaras usar para se projetar em sociedade. Esse ato coibitivo e proibitivo que intriga as pessoas. É ele quem nos leva a pensar como se pode lidar com tal experiência.

Ora, e não seria esse, talvez, um dos principais discursos dos EUA durante a Guerra Fria para ‘’rebaixar’’ a União Soviética? O discurso de que nos países capitalistas o individuo possuía liberdade para consumir (e vestir) o que quisesse? Não seria esse o fato que faz com que acreditemos que somos realmente livres e que vivemos de fato em democracia? Os governos capitalistas do período da Guerra Fria (e até mesmo na atualidade) não eram menos ditatoriais que os governos soviéticos (vide ditaduras militares na América Latina e a caçada aos comunistas nos Eua e Europa), mas a máscara da moda e do consumo livre nos passa a impressão de que a repressão sofrida por nós era menor. Pois, por mais que nos coibissem a voz, ainda possuíamos o corpo e, com ele, a moda.

Com isso podemos pensar que a maior força expressiva da experiência desse projeto não está na peça e sua característica mutante ou no seu discurso de apropriação da cultura indígena, mas sim na proibição/coibição do direito do indivíduo (eu) de se vestir de acordo com seu desejo, no não poder escolher formas diferentes de se encenar e se colocar no espaço coletivo.

Bibliografia:



CASTILHO Kathia. GALVÃO Diana. A Moda do Corpo o Corpo da Moda. São Paulo. Editora Esfera. 2002.


SALTZMAN Andréa. El Cuerpo Diseñado. Buenos Aires. Editorial Paidos. 2005

Sábado, show da Rita Lee

Desculpa gente, eu fui.
Não tem muitas fotos claras da roupa, mas eu queria mesmo era esfregar na cara de todo mundo que eu tava lá. Bjuspratodos

















Foi a primeira vez que saí com a roupa para algum ambiente mais ''externo'' do meu ciclo normal de convivência. Na maior parte do tempo minha vida se resume entre minha casa/ faculdade e encontros diversos de grupos de teatro. Por isso acabo frequentando sempre os mesmos lugares, com as mesmas pessoas e etc. Estou extremamente honrado e feliz que o primeiro uso externo da peça tenha sido no show da Rita Lee que é algo um pouco acima de deus na terra. Acho digno e um sinal de bom agouro.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

O decorrer da semana e algumas explicações.

Bem, andam me perguntando muito a respeito, então acredito que esse dado não ficou claro o suficiente, por isso vou explicar bem direitinho agora: existem TRÊS peças iguais e sim, EU LAVO ELAS. Eu sou uma pessoa limpinha gente! Em nenhum momento eu cogitei a hipótese de passar seis meses com a mesma roupa sem lavá-la. Pelo amor de deus gente, não tem amor pela vida acadêmica que justifique uma coisa dessas... Espero que tenha ficado claro dessa vez: estou abrindo mão do meu livre arbítrio perante o vestuário mas NÃO da minha higiene pessoal!
Hoje só quero dizer isso, prontofalei.

Seguem as fotos do que andei usando durante a semana.





E veio o calor











Ps: Hoje recebi as primeiras doações de estampas! Durante a semana vou usá-las e mostrá-las. E ESPERO RECEBER MAIS! ENTENDERAM?Ò.Ó

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Final de Semana e Segunda-feira.

             Fiquei vários dias sem atualizar o blog, isso aconteceu porque durante esse tempo não saí de casa e, logo, não usei a roupa. Pretendo atualiza-lo de uma maneira diferente a partir de hoje : farei as atualizações às quartas, sextas e domingos. Nas quartas e sextas vou expor os looks da semana e aos domingos pretendo escrever textos mais detalhados sobre a experiência. Atualizar o blog todos os dias está sendo um pouco cansativo e enfadonho para mim, creio que acompanha-lo diariamente esteja sendo chato para vocês também... por isso optei por três atualizações semanais.
       Acho interessante que haja relatos informais de como está sendo o uso da peça durante a semana, mas sinto falta de algum relato mais contundente e profundo (talvez até poético).  Por isso aos domingos pretendo abrir um espaço para uma reflexão mais digna da experiência, do ato de se vestir e do corpo. Espero que todos participem xD.
                      No mais é isso, como já estou aqui, vou aproveitar para expor os looks de hoje. Uma coisa muito engraçada está acontecendo. Ando exigindo de mim que eu invente sempre um look completamente diferente, mesmo que a minha vontade seja de repetir algum look que eu já usei. Parece que sinto a obrigação de propor sempre novidades com a peça... acredito que faça parte de uma empolgação inicial, uma vez que ainda não explorei todas as possipibilidades que essa peça me oferece. Mas hoje, particularmente, estava com preguiça de pensar no que vestir, e optei pelo uso mais básico da roupa (que eu já havia usado antes). Porém, essa auto-exigência de propor sempre novidades fez com que eu abotoasse a calça de um jeito diferente do que eu usei no primeiro dia, mesmo que minha vontade fosse usa-la sem os abotoamentos.
         Achei isso engraçado porque, de uma forma ou de outra, acabei me tornando um pouco refém dessa característica mutante da roupa. Se pararmos para pensar, todo mundo repete roupas do guarda-roupa, por isso, teoricamente, não há mal nenhum em eu repetir o mesmo jeito de usar essa peça. Mas, por alguma razão, eu não consigo encarar esse fato com tanta naturalidade. Como eu disse, isso pode ser por causa da novidade que a experiência ainda é. Provavelmente daqui um mês ou dois eu encare essa repetição de looks com mais facilidade (em verdade estou trabalhando a idéia desde agora).








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quinta-feira, 12 de agosto de 2010

3 dia

Eu ando achando engraçada a empolgação das pessoas com o projeto, e ando, também cansado de explicá-lo. Desculpe gente, é que eu explico a idéia desse tcc pra tanta gente que às vezes fica muito repetitivo para mim. Mas juro que vou tentar ser mais paciente.
Voltando ao assunto inicial, me comove a empolgação de todo mundo! Ver a carinha curiosa das pessoas quando eu chego na faculdade, meio que esperando para ver como eu estou usando a roupa hoje e tudo o mais. Está sendo muito bacana (até agora) a forma como todos estão interagindo e como todos parecem tão
interessados no projeto quanto eu.
Me parece que essa peça (e seu uso) dialoga muito com as pessoas e diz algo interessante sobre nossa sociedade e nosso modo de entender o ato de se vestir. O interesse e a curiosidade das pessoas me faz pensar sobre o quanto a cultura do vestir-se fala conosco e inspira nossa curiosidade e um pouco do nosso lado lúdico...







... sem mais comentários...

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

2 dia.

Hoje foi a estréia oficial da primeira estampa usada pela parte preta da camiseta. Estou aceitando doações de estampas 22x22cm, qualquer quadrado nessas medidas com propostas legais serão bem-vindas. MANDEM ESTAMPAS PARA MIM!(as estampas são presas e trocadas com botão de pressão)









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terça-feira, 10 de agosto de 2010

Primeiro dia!!

Bem, hoje foi o primeiro dia de uso da peça (tchã rãããm!!!). Estava bastante inquieto, esperando por esse momento e não me pareceu tão emocionante à primeira vista. Na verdade comprar a máquina fotográfica foi mais marcante para mim. Mas enfim, depois de toda a dor e sofrimento passados para deixar a peça pronta aí está! Primeiro uma foto da estampa, que deu taaaaaanto trabalho para ser feita. Mais tarde vou colocar um desenho detalhado dela com os significados de cada símbolo. Por hoje ainda estou me recuperando dos dias sentado em frente a máquina, e, por isso, vou me dar ao direito de atualizar só o necessário.





Eu, particularmente, gosto muito dessa estampa, desse tom de vermelho e de tudo o mais. Faltou uma foto das costas, prometo colocar nos próximos dias. Ainda vou ter que me acostumar com a idéia de tirar fotos, não gosto nada disso, não gosto da minha imagem, e mimimi, mas acredito que vou ter tempo para aprender a lidar com isso.




Como se tratava do primeiro dia, optei pelo uso da peça em sua forma mais básica: a calça com todos os zíperes fechados e a camisa com todos os botões presos.É difícil me controlar e usar uma forma só no mesmo dia, hoje fiquei brincando com a calça o tempo todo fazendo ela assumir quase todas as formas que ela pode ter. Mas, se eu não quiser enjoar rápido dessa roupa, é melhor me controlar um pouco. Enfim, no mais não tenho muita coisa para dizer por hoje.


Fotos: Treze

domingo, 1 de agosto de 2010

O eu.

Eu sempre fui um ser altamente mutante. De tempos em tempos preciso me re-inventar; jogar todo meu guarda roupa no lixo e recomeça-lo do zero. Isso também vale para meu cabelo, que já foi de todas as cores que existem e já teve quase todos os cortes possíveis de serem feitos.
Isso talvez se deva ao fato de eu nunca ter me encontrado de fato no mundo e, por isso, tentei experimentar diversas maneiras de me comunicar com ele através da minha imagem. Ou talvez seja uma forma de ''encarnar''  novas vidas, novas formas de se conhecer e ser conhecido pelos demais.



Por isso, a idéia de assumir a mesma forma (por mais variada que essa forma seja ) me assusta um pouco, ao passo que me fascina. E me obrigará a me utilizar de outros artifícios para me entender e me colocar como indivíduo no espaço. Talvez essa peça consolide uma imagem e me torne prisioneiro dela, ou talvez ela me atormente ao ponto de eu não conseguir completar e experiência. O fato é que acredito que não passarei impune por esse projeto e creio que, ao final desse processo, serei um ser total ou parcialmente diferente do que sou hoje. 




Quando olho para o meu guarda-roupa hoje, vou me despedindo dramaticamente de minhas roupas que não me acompanharão mais por um bom tempo e penso no quão profunda essa experiência pode ser. Fico olhando para cada camiseta e calça e evocando as histórias que vivemos juntos. Ao mesmo tempo, imagino o quão maiores serão as histórias que viverei com as peças Che mba'e Pire. Talvez, no fim dessa jornada eu sinta cerca dificuldade de abandonar essas peças para assumir uma nova forma de me vestir (e talvez eu não precise disso). Mas o fato é que, dentre minhas roupas que serão abandonadas no limbo de meu armário por seis meses, duas me fazem sentir mais dor no coração: minha camiseta dos Ramones e do David Bowie. Um minuto de silêncio por vocês.






No mais, estou me preparando para emergir em uma experiência nova, sem saber ao certo para onde ela irá me levar. Sempre gostei da idéia de viver as coisas por mim mesmo, e, por isso, achei fundamental estudar a importância do vestuário em nossa vida quotidiana em minha própria pele, em Che mba'e pire. Encaro esse processo como um rito de passagem para uma ''vida adulta'' (ou um entendimento mais adulto e aprofundado da experiência de se vestir e da moda em geral).

A Peça.

A peça Che Mba'e Pire foi projetada para ser  altamente versátil e mutante.
Suas mutações são possíveis através de um sistema de zíperes e abotoamento que permitem a modificação da forma e volume da roupa.
Muitas adaptações foram feitas entre o primeiro projeto e a última peça piloto. Esse croqui faz parte da metade do processo, ou seja, a peça final apresenta algumas pequenas diferenças que se fizeram necessárias durante o processo de confecção.




A Calça, em sua forma básica, é uma calça pantalona normal, com pregas (ou nesgas, não sei exatamente como chamá-las - uma vergonha para um estudante de moda, eu sei) laterais que podem ser fechadas com zíperes e adaptadas com botões de pressão, transformando-a, dependendo do modo como esses zíperes e botões são fechados, em uma calça boca de sino, cenoura, comum, skinny e etc. Seu gancho e coz também foram projetados para que a calça pudesse ser usada na cintura e no quadril, modificando assim seu caimento geral.
A camisa é dupla face, sendo um lado totalmente preto e outro vermelho estampado com motivos geométricos indígenas. Suas mangas podem ser retiradas e modificadas através de um sistema de abotoamento, que permite que ela fique sem mangas, com manga japonesa, manga comum e manga comprida. Além disso a face preta da camisa tem um sistema de troca de estampas, permitindo que várias estampas diferentes sejam acopladas e retiradas  da peça.

O Projeto


Minha casca muda todos os dias, para que eu possa caber em mim. Assim como meu espírito que cavalga junto aos ventos à procura do ‘’eu’’ que perdi.
O que é nossa identidade? E por quem somos nós?
Nosso corpo e aquilo que nos cobre
não deveriam ser um só? 




Segundo os que vieram antes de nós, e antes de todo o sangue que fora derramado nessa terra, nosso espírito é um som. O som do nosso ser. Nossa alma é a música que nos canta, e o corpo, a dança que materializa o existir.
Eles reverenciam seus ancestrais, como agradecimento, por estes terem tecido, com os elementos da mãe terra, o nosso organismo, e inserido nele os sete tons que regem a vida.
Por isso pintam suas peles, para marcar o ancestral de quem nasceram, para mostrar ao mundo quem são, de onde vieram e para onde gostariam de ir. Eles entendem seu corpo como o recipiente sagrado, que carrega sua alma e lança ao mundo sua música interna.
Para nós, o corpo é uma massa de carne vulgar que deve possuir cada vez menos carne para que os ossos fiquem bastante à mostra e possam, sem incomodo algum, a roupa carregar. E a roupa sim, sustenta nossa alma e lança ao mundo a música interna, que muda de ritmo a cada estação…




A criação de uma peça altamente mutante que me acompanhe diariamente por seis meses é a proposta desse trabalho. Para que se discuta o vestuário, a identidade e o corpo.
Para que se discuta o ato de vestir-se e se encenar ao mundo.
Esse processo será documentado visual e textualmente, e será publicado nesse blog, que entrou ao ar no dia 01 de agosto de 2010 e será atualizado diariamente durante o período de uso da peça.
Nesse blog as pessoas poderão interagir com a experiência (através de comentários, críticas, sugestões, etc.) refletindo assim, a relação do indivíduo enquanto ‘’ser que se veste’’ com o mundo que o cerca.
Serão produzidas três peças idênticas, para possibilitar o  uso contínuo. E, a princípio, não se trata de uma peça comercial.
O uso contínuo da peça apresentará seus defeitos de uso e/ou acertos de construção. Sua modelagem e/ou materiais utilizados serão repensados (ou não) após o período de uso, quando outro produto poderá ser apresentado.(Dependendo de como a peça se comportar durante o processo de uso contínuo.)
O resultado dessa experiência culminará no meu tcc, que será defendido no final de 2011.







Repensar o corpo e aquilo que o veste, encarando-o como o ser sagrado que é. Como materializar nossas experiências pessoais através de um vestuário que não muda? Desde o nosso nascimento até o derradeiro dia que muitos chamam de fim, deparamo-nos com a realidade de nosso corpo. Essa massa de carne que carrega e emoldura nosso espírito enquanto ser que existe no espaço. Um organismo vivo em constante modificação que nos acalenta por todo um ciclo de vida. 
Todos os dias, diante o espelho, enfrentamos o mesmo rosto. Por mais que os anos e nossas escolhas possam modificá-lo, sabemos que sua estrutura é a mesma. Não importa o quanto nos modifiquemos, nossos olhos, células, -pele e espírito serão sempre os mesmos. Acosmumamo-nos (ou não) com essa casca sagrada e, muitas vezes, acabamos ignorando seu teor divino.
Para isso proponho essa experiência, onde o conceito de um corpo que sempre muda mas permanece intacto, protegendo um espírito que o precede e que o abandonará para seguir outros caminhos no fim de um ciclo, seja transposto para o vestuário . Discutindo assim  a relação que os nativos pré-colombianos tem com o corpo e como essa relação poderia ser vivida em uma sociedade ocidental.





Fotografias: 1: índios Kaiapó, Xingu. 2: índio Yawalapti, Xingu. 3: índio Ashaninka, Acre.
Referências bibliográficas: JECUPÉ W. Kaka. A Terra dos Mil Povos. São Paulo. MACRONE. / VIDAL Lux, Grafismo Indígena. São Paulo. EDUSP